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Artigo: A Judicialização da Saúde Suplementar: Panorama geral sobre o tema

02/12/2020 19h20

Num cenário crescente de demanda judicial, onde inúmeras ações visam obrigar o plano de saúde contratado a realizar procedimento e/ou custear tratamento não previsto pelo Rol de Procedimentos e Eventos obrigatórios da ANS, e o percentual de resolução é favorável ao beneficiário da assistência médica e hospitalar, as empresas de saúde suplementar tem de se reinventarem na tentativa de evitar os custos inerentes à judicialização

Ligia Torrezan, advogada do setor Cível
ligia.torrezan@zalaflimeira.com.br

Atualmente há inúmeras ações que tramitam pelo Poder Judiciário e que visam obrigar o plano de saúde contratado a realizar procedimento e/ou custear tratamento não previsto pelo Rol de Procedimentos e Eventos obrigatórios da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

A fundamentação para tal decisão, refere-se à condição do beneficiário da assistência médica e hospitalar, que contrata e paga mensalmente o plano de saúde, a fim de obter atendimento quando for necessário para a manutenção da vida, em conformidade com a prescrição médica, discutindo supostos abusos das cláusulas do contrato que limitam ou excluem a referida cobertura, ainda que legitimamente e fora do conceito legal de abusividade previsto pelo Código de Defesa do Consumidor.

Ao longo dos anos em que se verifica um nítido crescimento do assunto perante os Tribunais brasileiros, nota-se que o que está por trás das decisões benéficas aos beneficiários da assistência médica e hospitalar tem um fundamento basilar e que dificilmente alguém é capaz de se opor, a vida.

Nasceu, assim, a fundamentação de que para preservar a vida do indivíduo que judicializa matéria inerente à ausência de cobertura médica e hospitalar basta um plano de saúde contratado e a indicação médica da necessidade do procedimento, apegando-se, ainda, à justificativa relativa à escassez de atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com a consequente falta de recursos para o atendimento da população em geral, como se possível fosse substituir a assistência integral conferida constitucionalmente ao poder público à iniciativa privada.

As consequências do entendimento que fundamentam milhares de decisões judiciais não apenas se referem ao aumento da judicialização da saúde, que, segundo dados recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) , obteve crescimento de 130% nos últimos 10 (dez) anos, como também viabiliza os esquemas fraudulentos de empresas para obter vantagem financeira às custas do beneficiário e do plano de saúde, prescrevendo, muitas vezes, OPME (Órteses, próteses, materiais e medicamentos especiais) sem necessidade técnica ou sem considerar a medicina baseada em evidências, levando apenas prejuízo àqueles que são vítimas, como matérias que frequentemente circulam pelos meios jornalísticos.

Sem prejuízo dessas questões que envolvem a judicialização da saúde suplementar, não se pode olvidar, ainda, que o custo da atividade acaba com um enorme peso financeiro, em decorrência do desequilíbrio econômico-financeiro necessário para dar subsistência a qualquer atividade empresarial, cuja consequência vê-se na prática, pois empresas de pequeno e médio porte acabam por não sobreviver ou deixar de comercializar planos de saúde individuais/familiares, em decorrência da ineficácia do percentual de reajuste anual para suportar o custo da judicialização, sobretudo porque, nessa segmentação de assistência, o índice a ser aplicado é aquele percentual fornecido anualmente pela ANS, ou seja, não tem qualquer relação com a sinistralidade do contrato (procedimentos x valor do prêmio).

Nesse sentido, o custo da judicialização é um tema que traz grande temor ao mercado.

Em que pese a iniciativa do CNJ frente ao aumento da judicialização da saúde, como a criação do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT), com o objetivo de fornecer aos Magistrados e Desembargadores apoio técnico necessário na análise de pedidos que envolvam procedimentos médicos, fornecimentos e medicamentos, assim como a realização de Fóruns e Eventos para discussão dos temas relacionados à judicialização da Saúde no Brasil, ainda assim o número de demandas cresce nos Tribunais brasileiros.

Com maior facilidade de acesso à Justiça pela população e o consequente aumento do número de ações, muitas das decisões judiciais, mormente aquelas que concedem liminarmente o pedido do beneficiário, não são dotadas de uma avaliação técnica, passando cada vez mais o Julgador a considerar apenas a prescrição médica, evocando o direito à vida e à dignidade da pessoa humana, em detrimento da segurança jurídica.

Com essas decisões, as empresas não apenas devem cumprir com o determinado, mas também criar o meio pelo qual será possível cumprir a decisão, como nos casos de medicamento importado sem registro na ANVISA, no qual a legislação sanitária proíbe e o código penal pune a importação nesse sentido. Certamente, uma decisão desse teor poderá ser modificada, sobretudo por se tratar de matéria já analisada pelo Superior Tribunal de Justiça, mas até o deslinde do feito, o custo já progrediu e na maioria das vezes não há retorno.

Num cenário crescente de demanda judicial e o percentual de resolução favorável ao beneficiário da assistência médica e hospitalar, as empresas de saúde suplementar tem de se reinventarem na tentativa de evitar os custos inerentes à judicialização, como o monitoramento de reclamações administrativas, o fornecimento de atendimento preventivo e captação de possíveis casos a serem judicializados; elaboração de materiais que visam o fornecimento de informações aos beneficiários; a maior participação na esfera judicial com a criação de métodos informativos para os Tribunais, bem como a parceria com esses Tribunais, o que tem levado algumas instituições a serem reconhecidas e presenteadas com o selo “Amiga da Justiça”, por mitigarem conflitos judiciais nessa esfera.

Em que pesem as estratégias adotadas pelo mercado, ainda assim o Poder Judiciário brasileiro caminha a pequenos passos quando o assunto se refere ao direito à saúde, uma vez que são desconsideradas não apenas as cláusulas contratuais, como também legislação sanitária, regulamentação do setor, entre outros aspectos importantes, como a sobrevivência ou viabilidade do setor, olvidando-se, por outro lado que, todos esses fatores contribuem para o aumento das mensalidades, ausência de comercialização de determinados planos e tipo de segmentação, prejudicando, dessa maneira, os próprios beneficiários da assistência médica e hospitalar no médio e longo prazo.

Considerando, então, o atual cenário para o tema, não há dúvidas sobre a necessidade que possuem as Operadoras em adotar estratégias objetivando a prevenção de riscos, não apenas na esfera judicial, isto é, quando o processo já bateu às portas dos Tribunais brasileiros, como também maneiras preventivas de monitoramento de casos concretos, análise regulatória e de jurimetria, a fim de conhecer os dados do setor para embasar a tomada de decisão, visando manter saudável a atuação empresarial, sem deixar de lado a qualidade da assistência prestada.

Assim, o serviço de consultoria jurídica especializada no setor torna-se um forte aliado para obtenção de melhores desempenhos para a atividade empresarial na área da saúde.

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