Informativo Tributário

Os efeitos tributários de uma guerra, e os reflexos no Direito Tributário nacional

A humanidade está quase saindo de uma guerra contra a Covid-19 resultante de uma pandemia que já matou milhares de pessoas, desestruturou inúmeras famílias e gerou um custo global incomensurável. Esta batalha é da humanidade contra um vírus, protagonista de uma crise sanitária mundial.

Por Felipe Zalaf, Sócio.

felipe@claudiozalaf.com.br

11/03/2022 09h47

Agora neste momento é inacreditável, a ponto de ser inaceitável, o que estamos vivendo acerca da invasão da Rússia na Ucrânia, mas não pretendemos nos posicionar sobre o evento político, especificamente, até porque esse não é objetivo deste artigo.

Quando um país soberano está envolvido em uma guerra externa, o custo interno de financiá-la exige dos cofres públicos e da população um desembolso gigantesco para permitir sua manutenção e subsistência.

A guerra envolve tudo e todos, desde armamentos, soldados, logística, indenizações, alimentações, medicamentos, etc.

Segundo o site da Forbes (https://forbes.com.br/listas/2017/04/8-guerras-mais-caras-da-historia/#foto1) foram elencadas as 8 guerras as mais caras da história:

  • Segunda Guerra Mundial (1939-1941) – US$ 4,1 trilhões
  • Guerra do Iraque (2003-2011) – US$ 2 trilhões
  • Guerra do Afeganistão (começou em 2001) – US$ 770 bilhões
  • Guerra do Vietnã (1959-1975) – US$ 738 bilhões
  • Guerra da Coreia (1950-1953) – US$ 341 bilhões
  • Primeira Guerra Mundial (1914-1918) – US$ 334 bilhões
  • Guerra do Golfo (1990-1991) – US$ 102 bilhões
  • Guerra de Secessão (1861-1865) – US$ 79,7 bilhões

Ou seja, além do custo humanitário, a guerra também é muito cara financeiramente para qualquer nação.

E, neste estado de exceção, o Estado como governo, em geral, cria regras emergenciais e estipula medidas internas para possibilitar a sustentação e financiamento da guerra enquanto perdurar aquele período.

Trazendo à nossa realidade no Brasil, nossa Constituição Federal de 1988 dispõe que a União pode instituir empréstimos compulsórios para atender às despesas extraordinárias de guerra externa ou de sua iminência.

Na mesma linha, pode ainda a União instituir na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação, sem necessidade de atender ao Princípio da Anterioridade.

Estas medidas constitucionais são gatilhos tributários que eventualmente poderão ser utilizados, mas acreditamos que não chegaremos a tal ponto na presente situação entre Rússia e Ucrânia.

Porém, o Brasil já vem sofrendo outros efeitos decorrentes deste conflito.

Somos importadores de trigo não somente da Rússia, mas em sua maior parte da Argentina. Ocorre que, por se tratar de uma commodity, o trigo tem sua formação de preços de acordo com o mercado internacional, no qual há ameaça de escassez causada pelas sanções comerciais feitas à Rússia, fazendo com que os preços subam.

Outra commodity que afetará os preços da cadeia produtiva dos alimentos são os fertilizantes.

Aumentando-se os preços das commodities há o risco de maior inflação no Brasil, fazendo com que o Bacen aumente a taxa Selic (que já está em patamares muito mais altos que de costume).

Assim, para manter o país forte, a economia precisa também ser forte, por meio de um PIB em crescimento, alavancado principalmente na arrecadação de tributos.

E a arrecadação poderá sofrer os efeitos do conflito, pois num cenário de alta de juros, o crédito fica mais caro e inibe o consumo das famílias, acarretando uma fase de recessão.

Havendo uma diminuição (ou seleção dos produtos) a serem consumidos/comprados, a indústria poderá se enfraquecer e diminuir a capacidade de investimentos e crescimento.

É uma equação complicada, pois funcionamos como uma engrenagem e em cascata para diversos setores. Ademais, o país ainda vem retomando seu crescimento e economia após o período mais grave da pandemia e o presente conflito pode dificultar ainda mais esse processo.

Caberá ao governo a difícil missão de avaliar as medidas a serem tomadas para que a indústria, o comércio e os prestadores de serviço não voltem a sofrer uma crise e possam manter a retomada pós-pandemia. Para tanto, o governo terá que sopesar as medidas voltadas especificamente ao aumento da arrecadação com aquelas destinadas à desoneração dos setores da economia.

Outro ponto que possui uma conexão com o presente tema são os processos de natureza tributária que estão em pauta no STF em 2022[1]. Temos, por exemplo:

  • Discussão dos efeitos de decisão transitada em julgado em matéria tributária quando há, posteriormente, pronunciamento em sentido contrário pelo STF (Tema 885);
  • Discussão do aproveitamento de créditos de PIS e Cofins sobre todas as compras de bens e serviços necessários ao exercício das atividades da empresa, e não apenas os considerados essenciais e relevantes, ou seja, se as leis 10.637/02 e 10.833/03 ferem o princípio da não cumulatividade (Tema 756);
  • Discussão sobre planejamento tributário abusivo (ADI 2446), ou seja, voltada a constitucionalidade da “norma geral antielisão”, prevista no parágrafo único do artigo 116 do CTN, voltada a combater planejamentos tributários tidos como abusivos pelo fisco;
  • Discussão sobre PIS/Cofins em suas próprias bases de cálculo ou bases sobrepostas (Tema 1067);
  • Discussão sobre a constitucionalidade da multa isolada no percentual de 50% por compensação não homologada (Tema nº 736);
  • Discussão sobre a inconstitucionalidade da incidência da Contribuição CIDE nas remessas para o exterior (Tema 914).

São temas milionários que afetariam diretamente os cofres públicos quanto mais vitoriosos saíssem os contribuintes destas disputas judiciais, pois as contas públicas teriam de se adequar diante de cada cenário.

Assim, não estamos vivendo o conflito, diretamente, e nos solidarizamos com todos aqueles que, diariamente, têm buscado sobreviver aos efeitos dos interesses políticos em jogo.

Expusemos, de maneira bastante sintética, como o mundo está inteiramente interligado, como os interesses de um grupo provocam consequências políticas e econômicas globalizadas, e como os efeitos são sentidos por todos nós, mesmo vivendo na aparente segurança de nossos lares.


[1] https://www.instagram.com/p/CaIZy5Lvi4T/?utm_medium=copy_link

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