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Artigo: A evolução do tratamento jurídico dispensado ao trabalho da mulher e a busca da igualdade material: questões atuais

11/05/2021 15h06

O presente artigo tem como objetivo analisar a evolução do tratamento jurídico
dispensado ao trabalho da mulher e à proteção à maternidade, especialmente no que diz respeito ao trabalho em ambiente insalubre e à jornada da trabalhadora com filhos com deficiência, questões que, nos últimos tempos, têm suscitado maiores discussões no campo doutrinário e jurisprudencial. Busca-se também compreender como a jurisprudência pátria sobre a matéria tem contribuído para a efetiva concretização da igualdade material. Trata-se de uma pesquisa eminentemente teórica que adotou a metodologia de revisão de literatura, através do levantamento bibliográfico, da legislação e da jurisprudência.

Daniele Cristina do Carmo Souza Tetzner, e Laryssa Fabre Bortoletto, Paralegal.

laryssa.fabre@zalaflimeira.com.br

Nos primórdios, o trabalho era dividido entre o homem e a mulher, sendo que o
homem, conduzido pela necessidade de satisfazer a fome e assegurar a defesa pessoal,
caçava e pescava, enquanto que seu corpo e principalmente as mãos eram seu instrumento de trabalho. A mulher, por sua vez, era responsável pela colheita dos frutos e pelo cuidado dos filhos, começando assim a organização do trabalho.

Por séculos, a mulher foi educada de forma diferenciada do homem, em um
ambiente de notório desequilíbrio social, em que a figura feminina era menosprezada pela sociedade, enfrentando situações de extrema desigualdade perante o sexo masculino, sendo tratada e vista como serva e objeto, em situação de submissão. Primeiro, as mulheres eram dependentes do pai e, posteriormente, depois do casamento, de seu esposo.

Possuíam funções eminentemente domésticas, eram educadas e ensinadas a servir, exercendo o papel de dona de casa, esposa e mãe, vivendo em função e dependência econômica do homem, ao passo que o homem era ensinado a ser o provedor do lar, assumindo a posição do “chefe da casa”, educados para trabalhar e ocupar cargos de posição superior ou de chefia tanto no Estado como no setor privado.

O papel de inferioridade atribuído à mulher resta evidentemente claro ao longo da
história, tanto no pensamento de sociólogos, advogados, filósofos, como no próprio texto sagrado do Islã, onde eram também eram difundidas ideias machistas, que menosprezavam o sexo feminino. Mahatma Gandhi dizia: “Se o homem dissesse uma coisa e a mulher outra, a vida seria uma desgraça. Só o homem deve dizer algo, e a mulher se dispor a fazê-lo”.

Na luta por igualdade jurídica e material, as mulheres tiveram que percorrer um
caminho árduo de preconceitos, discriminações e desigualdade de direitos e posições em relação aos homens.

Tais circunstâncias, aliadas ao duplo papel que a mulher exerce na sociedade, como
trabalhadora ou como administradora do lar, ao exercício da maternidade e ao rescimento da participação da figura feminina no mercado de trabalho despertaram a necessidade de adoção pelos Tribunais de interpretações que sejam capazes de efetivamente assegurar a igualdade material no campo laboral.

É que se verifica, como se buscará demonstrar ao longo deste trabalho, no tratamento dispensado às questões mais atuais, tal como o trabalho da gestante em local insalubre e a admissão da redução de jornada de trabalho para cuidados com filhos com eficiência, temas que, sobretudo após a edição da Lei n. 13.467/2017, suscitaram grande debate no campo doutrinário e jurisprudencial.

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRABALHO DA MULHER

Na época do Brasil Colônia (1500-1822), vivia-se uma cultura geral de repressão,
portanto, as mulheres tinham pouco espaço para reivindicar seus direitos. A luta das
mulheres naquela época era focada em alguns direitos fundamentais, como o direito ao
divórcio, o direito ao livre acesso ao mercado de trabalho, o direito à participação política e o direito à educação.

No período do Brasil Império (1822-1889), passou a ser reconhecido o direito
feminino à educação. No início do século XX, ocorreram as greves das costureiras, através das quais elas reivindicavam a regularização do trabalho feminino, jornada de 8 horas diárias e a abolição do trabalho noturno. Ainda no início do século XX, são retomadas as discussões acerca da participação feminina na política brasileira.

Em 1928, a primeira prefeita mulher no Brasil foi eleita. Em 1932, no governo de
Getúlio Vargas, foi garantido o direito às mulheres de votar e serem votadas. Em 1933, Carlota Pereira Queiroz tornou-se a primeira deputada brasileira. No ano seguinte, a Assembleia Constituinte garantiu o princípio da igualdade entre os sexos, a regulamentação do trabalho feminino e a equiparação salarial. Em 1936, foi criado o primeiro Sindicato das Domésticas. Em 1962, é criado o Estatuto da Mulher Casada.

Conforme pontua Paulo Lobo (2020), o advento da Lei n. 4.121/1962, isto é, do
Estatuto da Mulher Casada, representou o marco inicial da superação do poder marital na sociedade conjugal e do tratamento assimétrico entre homem e mulher. Foi saudada como a Lei da Abolição da Incapacidade Feminina.

Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal do Brasil, que equipara os direitos
dos homens e das mulheres, estabelecendo, em seus artigos, preceitos de igualdade entre ambos os sexos.

Em 2010, a primeira mulher foi eleita Presidente do Brasil e, em 2015, foi aprovada
a Lei 13.104, a denominada Lei do Feminicídio, que alterou o Código Penal, incluindo o Feminicídio como uma modalidade de homicídio qualificado.

Destaca-se a luta da mulher pelos direitos conquistados e a evolução dessas conquistas, ressaltando o caminho árduo de preconceitos, discriminações e da desigualdade salarial em relação aos homens. O que se percebe é que a mulher vem conquistando cada vez mais seu espaço no mercado de trabalho e, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em termo estatístico, quanto mais jovem a população, mais as mulheres superam os homens em educação, de onde se conclui que, no futuro, as mulheres serão em média, mais qualificadas que os homens.

3 A PROTEÇÃO DO TRABALHO DA MULHER NO PLANO INTERNACIONAL

No plano internacional, a proteção ao trabalho do sexo feminino se deu
essencialmente pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) em sua Convenção nº
03 e nº 04, ambas de 1919. A Convenção nº 03 adota diversas medidas relativas ao
emprego das mulheres, antes e após o parto. Essa convenção trouxe grandes avanços
legislativos, sendo que, em seu art. 3º, vedou o trabalho da mulher durante um período de seis semanas após o parto e prevê uma indenização suficiente para a sua manutenção e a do filho durante o tempo de “licença maternidade”.

Já a Convenção nº 04 tratou do trabalho noturno das mulheres, proibindo em seu
artigo 3º, independente da idade, que as mulheres trabalhem durante a noite, seja em
estabelecimento público ou privado.

Em 1953, a OIT editou a Convenção de nº 100, que trata da Igualdade de Remuneração para a Mão de Obra Masculina e a Mão de Obra Feminina,. Sobre o tema, escreve a autora Carla Tereza Martins Romar (2018, p. 963):

Estabelecendo que os Estados-membros que a ratificarem deverão garantir
a todos os trabalhadores a aplicação do princípio da igualdade de
remuneração entre homens e mulheres para todo trabalho de igual valor, a
Convenção n. 100 da OIT foi aprovada em 1951, na 34ª reunião da
Conferência Internacional do Trabalho, entrando em vigor no plano
internacional em 1953.
Até o presente momento, referida Convenção foi ratificada por 168 (cento
e sessenta e oito) dos 183 Estados-membros da Organização.
O Brasil ratificou a Convenção n. 100 em 25 de abril de 1957. De acordo
com referida Convenção, compreende-se como remuneração o saláriobase ou mínimo e qualquer outro valor em dinheiro ou em utilidades pago,
direta ou indiretamente, pelo empregador ao empregado.

Ainda de acordo com a referida autora (2018, p. 864), em 1958 foi criada a
convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) referente à
discriminação em matéria de emprego e profissão, a qual estabeleceu a obrigação dos
Estados-Membros de formularem e aplicarem políticas nacionais visando a igualdade de oportunidade e de tratamento para emprego e profissão, com o intuito de acabar com a
discriminação em sentido amplo (toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão).

A partir desse momento começaram a surgir outros direitos concedidos às trabalhadoras, tais como a Convenção nº 183 da OIT, que em seu art. 4º concede licença maternidade por um período de, pelo menos, 14 semanas.

Muitas outras convenções foram editadas com o passar dos anos, e aquelas
supracitadas foram todas ratificadas pelo Brasil, sendo possível afirmar que a luta das mulheres, no que tange à proteção da maternidade, à luta em face do preconceito enfrentado no local de trabalho e principalmente à busca pela igualdade de remuneração entre os sexos é bastante antiga e ainda perdura nos dias atuais, uma vez que as mulheres, mesmo desempenhando as mesmas funções, ainda recebem menores salários que os homens.

4 A PROTEÇÃO DO TRABALHO DA MULHER NO BRASIL

O Art. 5º da Constituição Federal garante a todos direitos e liberdades fundamentais, como por exemplo, o direito à vida, à educação e à igualdade. A Assembleia
Constituinte, sendo órgão responsável pela redação da Constituição, se preocupou também com a hipótese de violação desses princípios. É através da previsão do art.º 5, inciso XLI da Constituição que definiu a necessidade da criação de leis que penalizem quaisquer condutas que firam tais direitos e liberdades individuais. Tal inciso prevê a definição da responsabilidade do Estado em criar leis que punam quaisquer atos de discriminação que viole os direitos e liberdades fundamentais.

A Constituição Federal de 1988 prevê uma série de direitos sociais, podendo citar os
direitos sociais como o direito à educação, direito à saúde, direito ao trabalho, direito ao lazer, direito à segurança, direito à previdência social e por raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, e a Lei n. 10.741 de 2003, que instituiu o Estatuto do Idoso e criminaliza a discriminação da pessoa idosa. Nessa esfera, vale refletir sobre a necessidade de debates sobre discriminação em todas as esferas da sociedade, dentro das escolas e universidades, considerando que a educação aborda os mais variados assuntos e tem a possibilidade assistência social, direito a proteção à maternidade e à infância, direito à assistência aos desamparados, direito à moradia, direito à alimentação, direito ao transporte etc.

Com o intuito de proteger os direitos e liberdades, o legislador criou normas que
têm a finalidade de punir atos discriminatórios, podendo-se destacar a Lei n. 7.716 de 1989, alterada pela Lei 9.459 de 1997, que visa punir a discriminação ou preconceito buscar soluções, devendo ser usada como uma ferramenta para a busca da igualdade, e assim, garantir a inclusão social, econômica e política de todos.

A Constituição Federal prevê diversos dispositivos no que tange aos direitos
trabalhistas, tanto individuais, quanto coletivos, consagrando o direito do trabalho como direito social no título dos “Direitos e Garantias Fundamentais”.

Carlos Henrique Bezerra Leite (2008, p. 40) escreve que a Constituição Federal de
1988, através dos artigos 7º ao 11º, trata dos direitos trabalhistas que foram inseridos no capítulo dos “Direitos Sociais”, sob o título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. O art. 7º assegura os direitos individuais e tutelares do trabalho, prevendo, por exemplo, o seguro desemprego e o fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS). Já o art. 8º trata sobre os sindicatos e as relações com os trabalhadores, o art. 9º disciplina a possibilidade de realização de greve, e o art. 10 prevê os direitos e garantias fundamentais, dispondo sobre a participação dos trabalhadores e empregados nos colegiados dos órgãos públicos. Por fim, o art. 11 determina que às empresas que possuem mais de 200 empregados fica assegurada a eleição de um representante dos trabalhadores para entendimentos com o empregador.

Além dos artigos inseridos no texto da Constituição Federal, se faz necessária uma
breve análise dos marcos normativos internacionais voltados a combater o preconceito e a discriminação, assegurando os direitos e garantias fundamentais.

Em 1995, foi criada a Lei n. 9.029/95, que “Proíbe a exigência de atestados de
gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, e dá outras Em 1999, foi editada a Lei n. 9.799, que inseriu na CLT algumas regras sobre a discriminação no trabalho, como o art. 373 A, vedando o empregador de:

Art. 373 A […]
I – publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência
ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da
atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir; (Incluído
pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)
II – recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em
razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo
quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível;
(Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)III – considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável
determinante para fins de remuneração, formação profissional e
oportunidades de ascensão profissional; (Incluído pela Lei nº 9.799, de
26.5.1999)
IV – exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de
esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego;
(Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)
V – impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de
inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de
sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez; (Incluído pela
Lei nº 9.799, de 26.5.1999)
VI – proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas
empregadas ou funcionárias. (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

Por fim, a Lei n. 13.467/17 alterou vários artigos da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), inclusive no que diz respeito ao trabalho da mulher e à proteção à
maternidade, inserindo, por exemplo, o art. 394-A, que permite o trabalho da gestante em local insalubre.

Nos próximos tópicos, serão analisados, com maior destaque, o trabalho da gestante
em local insalubre e a redução de jornada de trabalho para cuidados com filhos deficientes, uma vez que se tratam de questões que, nos últimos tempos, têm suscitado maiores discussões no campo doutrinário e jurisprudencial.

4.1 O trabalho em local insalubre e a inconstitucionalidade declarada pelo Supremo
Tribunal Federal

Em relação aos direitos das gestantes, nossa Constituição assegura às mulheres
grávidas uma série de direitos das mais diversas esferas, sejam trabalhistas, sociais ou relacionados à saúde.

Em se tratando da empregada gestante e lactante, no ano de 2016, foi editada a Lei
n. 13.287/2016, que acrescentou o art. 394-A à CLT, nos seguintes termos:

Art. 1º A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo
Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescida do
seguinte art. 394-A:
Art. 394-A. A empregada gestante ou lactante será afastada, enquanto
durar a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais
insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre.
Parágrafo único. (VETADO).

Essa norma veio para dar maior segurança à gestante e ao feto, livrando-os dos riscos ambientais, sendo assim, uma vez afastada do ambiente de trabalho insalubre, a
empregada não teria mais direito ao respectivo adicional de insalubridade.

No entanto, com a Reforma Trabalhista, introduzida pela Lei n.13.467/2017, o
direito da gestante e da lactante sofreu algumas alterações. O art. 394-A passou a prever que a empregada deveria ser afastada das atividades insalubres de grau máximo, entretanto, em relação às atividades de grau médio ou mínimo, tanto a gestante quanto a lactante continuariam no exercício da função, podendo ser afastadas quando apresentassem atestado médico recomendando seu afastamento no trabalho insalubre.

Diante disso, sobreveio, em 2017, a medida provisória n. 808, a qual apresentou
sua proposta, conforme segue:

Visa promover a pacificação das relações de trabalho, a partir do fortalecimento das negociações coletivas e de soluções extrajudiciais na composição de conflitos, prestigiando o respeito à autonomia coletiva da vontade. Por fim, também se buscou a formalização das relações de trabalho no Brasil, que hoje conta com aproximadamente 45% da sua força de trabalho em caráter informal, alheia aos direitos conferidos pela
Carta Magna e pela CLT. Com efeito, é claro o escopo do novo marco legal de criar as condições para promoção e geração de novos empregos formais por meio da regulamentação de novas modalidades de contratação que permitirão adequar as necessidades de trabalhadores e empregadores à atual dinâmica das novas profissões e atividades econômicas.

Ocorre que essa MP (Medida Provisória) não foi convertida em lei no prazo legal,
perdendo sua vigência em 23 de abril de 2018, desamparando novamente as mulheres
trabalhadoras gestantes e lactantes.

Diante desse contexto, foi proposta, pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores Metalúrgicos, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.938, com pedido de medida cautelar, em face da expressão “quando apresentar atestado de saúde emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”, contestando os incisos II e III do artigo 394-A da CLT.

Em 30 de abril de 2019, o Ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal
Federal (STF), por meio de uma liminar, suspendeu a eficácia da norma da CLT que exigia da gestante à apresentação do atestado médico para se afastar do local insalubre.
Finalmente no dia 29 de maio de 2019, o plenário do STF declarou inconstitucional a
expressão contida no art. 394-A da CLT que exigia a apresentação de atestado de saúde por médico de confiança da mulher, visando assim, proteger integralmente o nascituro,
assegurando o afastamento automático da mulher em ambiente insalubre, que deverá ocorrer desde a confirmação da gravidez, independente se a insalubridade se dá em grau mínimo, médio ou máximo. Seguem os termos da decisão em sede da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) n. 5938:

O Tribunal, por unanimidade, conheceu da ação direta de inconstitucionalidade. Por maioria, confirmou a medida cautelar e julgou procedente o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade da expressão “quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”, contida nos incisos II e III do art. 394-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inseridos pelo art. 1º da Lei 13.467/2017, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio. Falaram: pelo amicus curiae Confederação Nacional de Saúde – CNS, o Dr. Marcos Vinicius Barros Ottoni; e, pelo amicus curiae Central Única dos Trabalhadores – CUT, o Dr. Ricardo Quintas Carneiro. Presidência do Ministro Dias Toffoli. – Plenário 29.05.2019.Acórdão, DJ 23.09.2019

Vale mencionar que o afastamento do local insalubre não ocasionará prejuízo na remuneração da gestante e da lactante, ou seja, foi de grande avanço, pois o afastamento do local insalubre ocorrerá em qualquer grau (mínimo, médio ou máximo) e o salário não sofrerá alterações por conta disso.

Diante do exposto, é possível que a decisão que julgou inconstitucional o trecho do
artigo 394 – A da CLT revela-se perfeitamente adequada, não apenas por reforçar a
proteção ao trabalho feminino, mas, por levar em consideração a árdua luta das mulheres em conquistar seus direitos, devendo as normas conferir-lhes mais direitos e não retirar-lhes aqueles que já foram conquistados por elas. Reforça tal conclusão o fato de que a decisão mencionada fundamentou-se nos preceitos da igualdade de gênero e nos princípios da prevenção e da vedação ao retrocesso social.

A declaração de inconstitucionalidade, portanto, foi de grande avanço,
representando um marco na luta das mulheres pela garantia dos seus direitos no ambiente de trabalho.

4.2 A possibilidade de redução da jornada para cuidar de filho deficiente

É sabido e de conhecimento de todos o tamanho do preconceito e da discriminação
que a pessoa com deficiência sofre e enfrenta. Tal fato é histórico e não acontece somente no Brasil, mas em todo o mundo, seja o deficiente nascido em berço de ouro, seja nascido em uma família de classe baixa ou média. Fato é que, quanto mais recursos financeiros a família dispõe, maior será o acesso a cuidados especiais, tratamentos, terapia e profissionais que forneçam suporte e acompanhamento.

Vale ressaltar o quanto é de extrema importância que o direito mude e passe por
alterações e modificações ao longo do tempo e de acordo com a necessidade humana, para que possa regular adequadamente situações e garantir direitos e deveres, a fim de que seja resguardada a igualdade de todos na medida de suas desigualdades.

Importante notar que pessoa com deficiência, não raras vezes, requer cuidados, seja
dos pais, avôs, dos filhos, marido, ou de algum outro familiar, que pode estar inserido no mercado de trabalho. Desta forma, surge a necessidade de discussão na esfera jurídica acerca da possibilidade de redução de jornada para a mãe de filho portador de alguma deficiência, tema que será abordado nos subtítulos seguintes.

4.2.1 Com relação aos Servidores Públicos

É possível verificar que há lei federal que concede esse direito a diminuição de
jornada de trabalho sem qualquer tipo de prejuízo e diminuição de salário para os
funcionários públicos que sejam deficientes ou para funcionários públicos que tenham
cônjuge, filhos ou dependentes com algum tipo de deficiência.

Até algum tempo atrás, antes da edição e publicação da lei anteriormente
mencionada, tal direito era assegurado somente para o funcionário deficiente e não para os seus familiares. Esse é um direito recentemente conquistado, o qual foi concedido em 2016, assim, o servidor público não precisará compensar essas horas não trabalhadas para possuir o direito de determinação de horário especial.

Vale esclarecer, que tal direito é estendido aos funcionários públicos estaduais e
municipais, considerando que existem Estados e Municípios que já possuem legislação
específica sobre essa questão abordada.

4.2.2 Com relação às Empresas Privadas

De acordo com Marianne Golden (2018), mesmo que ainda não haja uma lei específica regulamentando a possibilidade de redução de jornada de trabalho no setor privado que garanta o direito da redução da jornada de trabalho para mãe ou pai de criança
portadora de deficiência, o Judiciário tem entendido em alguns julgamentos ser possível aplicar subsidiariamente e por analogia a Lei 8.112/90, que trata do regime jurídico dos servidores públicos, prevalecendo sempre o interesse da criança.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A mulher, assim como o homem, tem a sua história e, consequentemente, seu papel
como agente histórico. Entretanto, a compreensão da mulher envolve o entendimento das
representações sociais aos quais esteve historicamente relacionada. Nos primórdios, o
trabalho era dividido de formas distintas aos homens e mulheres.

A participação e a consolidação feminina ocorrem de forma lenta e gradual, dadas as
dificuldades enfrentadas, dentre elas, a redefinição dos papéis masculinos e femininos nas esferas familiar e profissional. A empregada gestante necessita de cuidados especiais e de maior proteção devido ao seu estado gravídico, levando em consideração a dificuldade que enfrentará ao tentar conseguir uma nova colocação no mercado de trabalho.

Sendo assim, a gestante fará jus à garantia de emprego para que não corra o risco de
ser dispensada no período de gravidez, o que resultará em uma diminuição do índice de
discriminação contra a gestante no mercado de trabalho. No começo, a empregada gestante não possuía nenhum direito, mas com a evolução, passou a ter direito a um descanso de 28 dias antes e 56 dias após o parto, totalizando 12 semanas. Agora, com a Constituição de 1988, o período para descanso é de 120 dias. A empregada gestante possui a garantia de emprego após a licença e recebe também o salário-maternidade, referente ao seu salário integral durante o período de afastamento, além de outros direitos. A mulher tem o direito de acompanhar sua gravidez, ausentando-se de seu serviço para fazer o pré-natal.

Dentre tantos direitos conquistados pela mulher no mercado de trabalho, não se pode
deixar de destacar que ainda existe discriminação contra a mulher, pois, mesmo não sendo o empregador quem paga o salário-maternidade, ele ficará sem um empregado por no
mínimo 120 dias, o que gera dúvida para os empregadores na hora da contratação de
mulheres que ainda estão no período de possível gravidez.

Embora haja certa discriminação, hoje em dia, a mulher vem conseguindo cada vez
mais aumentar sua participação no mercado de trabalho e se igualando aos homens, seja no aspecto salarial, ou em atividades especializadas, que historicamente sempre foram
ocupadas por homens.

Em relação a redução de trabalho para as mães/pais de crianças com deficiência,
ainda não há uma lei específica regulamentando essa possibilidade que garanta o direito da redução da jornada de trabalho, porém, no âmbito do Poder Judiciário, têm surgido decisões no sentido de admitir a possibilidade de aplicar subsidiariamente e por analogia a Lei 8.112/90, que trata do regime jurídico dos servidores públicos, prevalecendo sempre o interesse da criança.

Percebe-se, portanto, que grandes foram as conquistas alcançadas pela mulher ao
longo da história, cabendo destacar que a luta por direitos e igualdade material no mercado de trabalho exige a quebra de paradigmas e a desconstrução de pensamentos, a fim de que o país possa contornar a situação de profunda desigualdade, não apenas social, mas de gênero, que ainda remanesce.

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