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Artigo: 2019 sob o olhar de um advogado

09/12/2019 12h34

Confira no artigo escrito pelo Dr. Lucas Malavasi, sócio, um retrospecto dos principais acontecimentos no âmbito jurídico do ano de 2019

Lucas Ciarrocchi Malavasi, sócio
lucas@claudiozalaf.com.br

Aproxima-se a época em que devemos contemplar o ano de 2019 sob olhar da retrospectiva. O ano após uma eleição, marcado pela transição entre governos, sempre gera expectativas, o que requer que qualquer agente produtor do setor privado caminhe com atenção e prudência para melhor distinguir desafios e oportunidades.

Na seara jurídica, o governo eleito desde cedo manteve-se fiel a suas intenções eleitorais de promover desburocratização e liberdade econômica. É possível verificar isso nas revogações a granel de decretos defasados que ainda estavam em vigor desde a primeira república. De fato, em abril o presidente revogou 250 decretos (o mais velho datando de 1903) e, em julho, 583 leis e decretos-lei haviam sido revogados, além de outros tantos.

Entretanto, a reforma que é o carro-chefe do governo teve movimentação lenta, apesar de o governo federal ter soado a partida não tão devagar. Entregue ao Congresso em fevereiro, a reforma da previdência teve tramitação demorada pela Câmara e somente agora, no final do ano, foi posta a votação no Senado, sendo certo que Congresso a promulgou no dia 12/11, estabelecendo novas regras para aposentadoria do Regime Geral (setor privado) e de servidores públicos.

A postergação da votação desta reforma causou muita incerteza em relação ao futuro da economia brasileira e atingiu em cheio a credibilidade do governo eleito, o que, dada as circunstâncias atuais, não foi nada bom para o setor produtivo. A população brasileira é jovem e o sistema previdenciário nos custa atualmente quase 12% do PIB, portanto os efeitos da demora na votação não tardarão a serem sentidos.

Com o governo não podendo arcar propriamente com o déficit previdenciário, o calote da dívida pública seria eminente, com reflexos deletérios na geração de emprego, controle da inflação e classificação de riscos dos investimentos no país – ou seja, no desenvolvimento econômico do país como um todo.

Ademais, desde janeiro as análises da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já apontavam que a reforma da previdência sozinha não seria suficiente para garantir a sustentabilidade das contas publicas. Além de corrigir um déficit de produtividade que já dura quinze anos no país (atraindo investimentos, capacitando mão de obra e abrindo a economia ao mercado global), a outra reforma que se faz essencial é a tributária, a qual traria efeitos virtuosos na folha de pagamento das empresas.

De fato, o governo já estuda a realização de tal reforma, inclusive propondo que haja desoneração de encargos em folha sem recorrer à criação de novos impostos à sociedade. Como a maior fatia tributária paga pelo empregador é de natureza previdenciária, é natural que esta reforma seja considerada acessória. O que também quer dizer que, infelizmente, o fracasso da principal signifique o fracasso desta.

A extinção da multa de 10% extra sobre o FGTS, paga ao governo, é talvez a medida desoneradora mais fácil de ser adotada. A proposta já havia sido considerada no governo Temer e foi suscitada novamente este ano. No entanto, como a extinção dessa fonte de receita impactaria no setor da construção (que tem forte ligação com o FGTS), o governo já revelou que pretende uma extinção gradual, em até 5 anos.

Ao menos a contribuição para sindicatos sem representatividade parece ter sido eliminada. Após sofrer reveses com a reforma trabalhista e com a ADI 5794, a contribuição sindical compulsória quase foi eliminada com a MP 873, que impossibilitava a autorização por desconto tácito por deliberação em assembleia.

De todo modo, a continuação das medidas contra sindicatos não representativos apresentou resultados benéficos, pois, como demonstram os números do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o ano de 2019 apresentou acentuada queda no número de greves. Por esta razão, muitos acreditam que o Brasil pode estar criando as circunstâncias para finalmente ratificar a Convenção 87 da OIT (que dispõe sobre liberdade sindical).

Porém, a medida mais contundente do ano veio em setembro com a sanção da Lei 13.874, que converteu a MP 881 em lei. O texto é uma longa declaração de garantias ao livre mercado e gestão de patrimônio e que promete promover grandes mudanças na administração trabalhista das empresas.

A lei reforçou a proteção jurídica ao patrimônio de sócios e das diferentes pessoas jurídicas de um mesmo grupo econômico, desobrigou a marcação de ponto de jornada em empresas de até 20 trabalhadores – ao mesmo tempo em que retirou restrições ao exercício de atividades empresariais em dias não-úteis – e estabeleceu a preferência da emissão de documentos profissionais do trabalhador por meio eletrônico (carteira de trabalho eletrônica) – sem contar que assumiu o compromisso de substituir o eSocial por um sistema mais simples.

Muitos dos artigos que foram revogados tratavam de poderes das delegacias do trabalho e sindicatos sobre a emissão de documentos, algo que é incompatível com o espírito da nova lei. Com as novas regras, a intenção é tornar o CPF o único número identificador do empregado, de ponta-a-ponta (em detrimento do NIT, PIS e tantos outros).

Outra micro inovação foi a dilatação do prazo para lançamento das informações laborais na Carteira de Trabalho. O prazo que antes era de 48 horas passou agora a ser de 5 dias, o que facilita em muito o seu cumprimento. O prazo anterior funcionava quase como uma armadilha para a incidência da multa por atraso na devolução da carteira profissional (art. 53 da CLT), a qual também foi revogada.

Como se vê, desburocratização e liberdade pautaram as alterações promovidas pela lei. Com as novas regras facilitando o cumprimento das obrigações trabalhistas, tornou-se possível a construção de um ambiente de conformidade nas relações laborais. Assim, o Direito do Trabalho encontra meios para cumprir sua vocação natural, qual seja: a pacificação social.

Por outro lado, a facilitação do compliance trabalhista também surtirá efeitos positivos nos compromissos comerciais assumidos no exterior pelo Brasil, a exemplo do Acordo de Associação Mercosul-União Europeia, um tratado bi regional cujas negociações já duravam 20 anos e foram finalizadas este ano.

O acordo, calcado nos pilares do diálogo político, cooperação e livre comércio, proporciona oportunidades para negócios entre os blocos regionais. Contudo, os termos ajustados também preveem diversas obrigações, notadamente no tocante ao respeito ao desenvolvimento sustentável e à segurança e saúde do trabalho (denominado de “princípio da precaução”). Assim, a mitigação da burocracia trabalhista faz com que os agentes produtivos brasileiros possam prosperar também em suas relações comerciais no exterior.

Também tivemos em 2019 a Medida Provisória n.º 905, de 11 de novembro de 2019, que instituiu o chamado “Contrato de Trabalho Verde e Amarelo”, alterou a legislação trabalhista e deu outras providências, tudo no sentido de tentar gerar aumento nos postos de trabalho – nosso escritório lançou uma série de artigos dedicados ao assunto cuja leitura vale a pena.

A Medida Provisória n.º 905, de 11 de novembro de 2019, é mais um instrumento governamental na tentativa de, dentre outras razões, fomentar o aumento de postos de trabalho, a exemplo do que já havia ocorrido com a Lei n.º 9.601/98 (que dispõe sobre o Contrato de Trabalho por Prazo Determinado), a Lei n.º 13.429/2017 (que regulamenta os serviços terceirizados no Brasil e amplia o tempo de contratação de trabalhadores temporários) e com a própria Lei n.º 13.467/2017 (denominada Reforma Trabalhista), dentre outros exemplos.

Mudando de cenário, recentemente, por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal voltou ao entendimento anterior de que o início do cumprimento da pena somente é possível após o trânsito em julgado, ou seja, o esgotamento dos recursos cabíveis.

O problema das mudanças de entendimento tem nome: insegurança jurídica e institucional. E não adianta de nada termos liberdade econômica e muito menos burocracia se, ao mesmo tempo, como um todo, somos uma sociedade volátil, cujas decisões evaporam com o passar dos meses e capítulos de novelas. Não há investimento estrangeiro que se mantenha nos médio e longo prazos num cenário como esse.

A pergunta que resta é a seguinte: o atual governo tem poder de indicação de novos ministros com as aposentadorias que estão por vir, com isso, portanto, podemos afirmar que teremos nova mudança de entendimento em breve? Não é normal nem responsável viver assim.

Também tomamos conhecimento, em agosto, de que educação financeira, que tem potencial de reduzir o endividamento no país, poderá ser disciplina escolar obrigatória a partir de 2020, o que é demasiadamente importante, mas sabemos que o erro começa com o salário mínimo menor que a média de aluguéis nas grandes metrópoles.

Fato é que os mais pobres com ou sem educação financeira não vão conseguir viver com o mínimo.

O trecho abaixo é da CF88:

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.

O ano ainda não acabou, é verdade – se abrirmos os portais de notícias hoje, data em que escrevo o presente texto, veremos que o Presidente dos EUA afirmou que irá retomar tarifas sobre produtos brasileiros e argentinos por conta da desvalorização de suas moedas frente ao dólar.

Estamos sujeitos a flutuações e, na condição de nação globalizada inserida no contexto do mercado mundial, acontecimentos originados do outro lado do mundo podem acarretar prejuízos inevitáveis. Porém, seria exagero dizer que a economia brasileira está terminando o ano pior do que o começou, muito exagero, para ser franco.

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