Artigo: Airbnb versus Condomínios – A locação de imóvel residencial por plataformas
15/04/2019 09h13
Cada vez mais usual, o emprego de aplicativos para a locação de imóveis tem provocado debates no mundo todo e sido questionado por moradores de condomínios. Confira o que diz a legislação e as tendências para o futuro
Rodolfo Nunes Ferreira Batista
Coordenador da área Cível
rodolfo@claudiozalaf.com.br
As plataformas digitais vêm ganhando cada vez mais adeptos diante das facilidades que disponibilizam aos seus usuários, já que, em razão dos instrumentos que possuem, se tornaram o meio mais eficiente de interação entre fornecedores e consumidores de serviços e produtos. Quer uma refeição? Ifood. Transporte? Uber. Filmes e séries? Netflix, e assim por diante.
As mudanças são tantas e tão profundas que alteraram substancialmente a dinâmica de mercados até então consolidados. A situação enfrentada pelos taxistas após a criação do Uber é um exemplo emblemático.
No mercado locatício a criação de plataformas como o Airbnb, em que proprietários de imóveis e interessados em estadia negociam livremente preço e período, trouxe alterações importantes no mercado locatício. A primeira delas é a constatação de que se reduziu o número de imóveis disponíveis para locação residencial de longo prazo.
Na cidade de Miami (EUA), por exemplo, já há reclamação dos moradores locais, pois não encontram imóveis disponíveis para locação por longo prazo, já que os proprietários preferem locá-los por meio de plataformas digitais, por viabilizar maior retorno financeiro.
O setor hoteleiro já começa a sentir o impacto na redução de hóspedes e, seguindo a lógica da batalha travada entre ubers e taxista, reclama da divergência de tratamento dado ao setor e as plataformas digitais, já que estas não recolhem os altos impostos recolhidos pelos hotéis. Com isso afirmam não conseguirem competir com os baixos preços praticados nas plataformas.
Resistência dos Condomínios
As alterações que as plataformas digitais têm realizado na dinâmica no mercado locatício e hoteleiro são apenas parte da questão. Ponto bastante relevante tem sido a resistência dos moradores de condomínios às locações realizadas por estes novos meios de contratação.
Os problemas consistem, basicamente, nas questões de segurança e no recorrente desrespeito às normas internas dos condomínios pelos locatários. Para que se tenha uma ideia, a Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (Aabic) realizou recente pesquisa junto às administradoras de condomínios da cidade de São Paulo e constatou que 47% dos prédios da capital já colocou o assunto em discussão em suas assembleias, sendo que 64% deles decidiu por proibir ou restringir a locação por aplicativos.
Em grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, os condomínios priorizam a questão da segurança limitando o quanto podem o acesso de terceiros e tomando outras medidas como a contratação de empresas de segurança, utilização de câmaras e imposição de registros de acesso cada vez mais sofisticados. Ocorre que a locação de imóveis por meio de aplicativos tem como característica os pequenos períodos de locação e a grande rotatividade de locatários, o que vai em sentido contrário às medidas acima relatadas.
Outro ponto de resistência dos moradores decorre do recorrente desrespeito às normas internas pelos locatários. Além da inobservância da regra de silêncio, é habitual que sejam descumpridas normas de utilização de áreas comuns, como piscina e academia, por exemplo.
Proibições impostas
Diante dos problemas enfrentados pelos condomínios, vários deles iniciaram um “contra ataque” aos aplicativos de locação. Alguns acabaram por proibir expressamente este tipo de locação através da alteração da Convenção do Condomínio. Outros sustentam que não se faz necessária a proibição expressa aos aplicativos, bastando que conste da convenção que o condomínio tem finalidade residencial, já que o aluguel de curta duração, por fugir do fim residencial, pode ser entendido como serviço de hotelaria, já estando vedada, portanto, a sua contratação.
Neste sentido, o Judiciário tem se manifestado de forma diversa, sendo que recentemente o Tribunal de Justiça do Rio proibiu a locação de um apartamento em Ipanema pelo período de menos de 30 dias e para mais de seis pessoas por vez, impedindo que o imóvel seja locado pelo aplicativo Airbnb. A decisão impõe ainda multa diária de R$ 2 mil em caso de descumprimento.
Já o Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu decisão em sentido contrário ao asseverar que a ocupação do imóvel por pessoas distintas, em espaços curtos de tempo, via Airbnb, não descaracteriza a destinação residencial do condomínio, não podendo ser vedada pelo Condomínio.
A verdade que, tendo em vista que a questão é recente, não houve tempo hábil para que fosse pacificada no Judiciário.
Legislação vigente e tendências para o futuro
A não ser que haja alterações na legislação vigente, o futuro das restrições impostas pelos condomínios às locações por aplicativos pode estar comprometido. A verdade é que o tipo de locação contratada pelas plataformas digitais pode ser enquadrado na chamada locação por temporada, prevista na lei de locações (Lei nº 8.245/91).
Segundo o art. 48 da lei a locação por temporada é aquela que é “destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde (…)” e que não pode ser contratada por prazo superior a noventa dias. O texto ainda especifica que o imóvel pode ser locado estando mobiliado ou não.
Desta forma não parece haver argumento para a proibição da locação por aplicativo pelos condomínios. Neste sentido, há que se considerar que as plataformas digitais não criaram uma nova forma de contrato locatício, mas tão somente disponibilizaram meio mais prático e eficaz de intermediação entre os interessados na locação (locadores e locatários), o que reavivou a locação por temporada, anteriormente mais comum somente em cidades turísticas e litorâneas.
Assim como no mundo afora, no Brasil a questão ainda não foi resolvida e os Condomínios voltam suas energias ao legislativo, buscando a regulamentação das locações realizadas através das plataformas digitais. A pioneira foi a cidade de Caldas Novas, em Goiás, que criou a Lei Complementar 99/2017 que em seu art. 9º determina que o dono do imóvel deve informar ao fisco municipal o recolhimento da taxa anual de funcionamento e do ISSQN (Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza). Com isso as locações por temporada realizadas na cidade através de plataformas como o Airbnb devem recolher o imposto municipal (ISSQN), o que pode tornar menos atrativa a contratação, diminuindo, ainda que de forma indireta, o problema dos Condomínios.
Já no âmbito federal o Senado está processando o Projeto de Lei 7.485/15 para alterar a Lei de Locação (8.245/91), atualizando o regime de locação por temporada, incluindo nesta modalidade os imóveis ofertados em plataformas on-line (sites, aplicativos etc.). A Câmara dos Deputados, por sua vez, discute na Comissão de Turismo a melhor forma de regulamentação.
A verdade é que a questão é polêmica e parece difícil que haja uma breve solução para o problema, persistindo assim a disputa entre os condomínios e as plataformas digitais de locação de imóveis. Mas o fato é que, assim como o Uber, o modelo de negócio do Airbnb já mudou para sempre este mercado.