Artigo: As consequências da pandemia do Covid-19 nas relações contratuais
23/03/2020 10h23
O impacto da proliferação do vírus no país ainda é desconhecido, mas as medidas de cautela e mudanças de comportamento já trazem reflexos no dia-a-dia das pessoas, empresas e no mercado financeiro
Talita Akemi Okada, coordenadora do setor Cível
talita.okada@zalaflimeira.com.br
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, no último dia 11 de março, o surto do coronavírus (Covid-19) como uma pandemia global. A partir de então e como medida de prevenção a propagação do vírus, diversos setores da economia passaram a interromper as suas atividades, o que vem causando a descontinuação dos negócios firmados, desde o descumprimento de entregas, prestação de serviços, até o cancelamento de eventos.
O impacto da proliferação do vírus no país ainda é desconhecido, mas as medidas de cautela e mudanças de comportamento já trazem reflexos no dia-a-dia das pessoas, empresas e no mercado financeiro.
Como a legislação brasileira trata dos casos de descumprimento dos contratos em decorrência da pandemia?
O Código Civil prevê a possibilidade de resolução ou revisão dos contratos civis e empresariais com base na chamada “teoria da imprevisão”, aplicável quando acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, tais como um surto de tamanha proporção, tornem a prestação de uma das partes do contrato excessivamente onerosa, sob o ponto de vista financeiro.
Para que a resolução ou a revisão de contratos empresariais seja justificada pela aplicação da teoria da imprevisão, considerando a excepcionalidade desta medida, há a necessidade de se analisar cada caso concreto, pontualmente, identificando os requisitos da imprevisibilidade, da boa-fé, do desequilíbrio contratual e dos efeitos para as partes contratantes.
Diante da constatação de tais requisitos, prevê o código civil em seus artigos 478 e 317 que, “(…) se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato” e , se por motivos imprevisíveis, “(…) sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução (…)”, poderá ser requerido ao juiz, em ação judicial, a adequação destes valores, para que reflita a prestação realmente devida, tendo em vista o desequilíbrio contratual estabelecido.
Não podemos deixar de citar que, com a promulgação da chamada Lei da Liberdade Econômica, foi inserido o artigo 421-A no Código Civil, que estabelece o princípio da paridade e simetria dos contratos civis e empresariais, desde que não haja elementos que afastem esta presunção, e fixa os parâmetros para interpretação das cláusulas contratuais e pressupostos de revisão ou resolução, determinando que “a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada”.
Saindo da ótica financeira e passando para a análise sob o aspecto da impossibilidade de cumprimento das cláusulas do contrato, que ensejam a responsabilidade contratual, o código civil prevê o direito da parte justificar o não cumprimento de determinada obrigação como hipótese de força maior.
No mesmo caminho da “teoria da imprevisão”, a “força maior” é verificada quando se está diante de um acontecimento imprevisível, que impossibilita o cumprimento da obrigação e desde que esta impossibilidade não tenha sido causada por aquele que tinha o dever, e nem por aquele que receberia o bem ou serviço decorrente deste dever.
Assim, diante da devida comprovação da relação causa e efeito entre a suspensão da execução das obrigações contratuais e a suspensão das atividades empresariais em decorrência da pandemia, poderá ser alegada a força maior como excludente de responsabilidade, nos termos do artigo 393, do Código Civil.
Isto porque o caos causado pelo coronavírus pode ser considerado evento que gera a impossibilidade de se cumprir com a obrigação contratada, cuja inviabilidade não pode ser atribuída à vontade dos fornecedores de bens e serviços, de modo que, aquele que não cumprir com sua obrigação contratual, poderá não responder pelos prejuízos decorrentes.
Cumpre-nos alertar que, ainda que a lei brasileira trate da hipótese de inexecução do contrato, aconselha-se, como medida preventiva, o envio de uma notificação à outra parte contratante, assim que constatada a impossibilidade do cumprimento contratual, com a justificativa da força maior.
Com relação a onerosidade excessiva, decorrente da “teoria da imprevisão”, recomenda-se às partes contratantes que adotem a solução apresentada pelo artigo 479 do Código Civil, que determina que “A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.” de modo que renegociem as condições contratuais, sempre que possível e ainda que provisoriamente, enquanto perdurar a situação excepcional por qual estamos passando.