Artigo: O próprio STF criando insegurança jurídica?
21/09/2020 14h23
Sabemos que cada serviço tributável deve estar expressamente disciplinado em lei, até por conta do princípio da reserva legal, então, como o termo “congêneres” pode ser interpretado de forma ampla? É este tipo de interpretação ampla que gera mais dúvida e insegurança jurídica na sociedade
Felipe Zalaf, sócio
felipe@claudiozalaf.com.br
Desde 2003 a Lei Complementar (LC) nº 116 disciplina o Imposto sobre Serviços em âmbito nacional.
Nesta LC há a lista de serviços sobre a qual delimita a incidência do ISS a despeito da tributação de outros serviços pelo ICMS.
Importante este aspecto, pois também sabemos que o “S” do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é também “serviços” e sempre houve muita dúvida pelos contribuintes e conflito de competências entre os fiscos estaduais (competentes para instituir e arrecadar ICMS) e municipais (competentes para instituir e arrecadar ISS).
Neste ponto, também sempre houve discussão entre juristas e Judiciário no sentido de se analisar se a lista de serviços era taxativa ou se caberia uma interpretação ampla. Grande maioria da doutrina vinha na linha de adotar uma lista de serviços taxativa, para que, num dos pontos, não haja colidência com o ICMS, e interpretações amplas e extensivas que criassem mais insegurança.
Porém, recentemente o STF proferiu decisão¹, por maioria de votos, em repercussão geral, com o seguinte teor:
TRIBUNAL PLENO – SESSÃO VIRTUAL
Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 296 da repercussão geral, não conheceu do recurso extraordinário interposto contra o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça e, sucessivamente, conheceu parcialmente daquele oferecido contra o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, mas negou-lhe provimento, fixando a seguinte tese: “É taxativa a lista de serviços sujeitos ao ISS a que se refere o art. 156, III, da Constituição Federal, admitindo-se, contudo, a incidência do tributo sobre as atividades inerentes aos serviços elencados em lei em razão da interpretação extensiva”, vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, que acompanhavam a Relatora, mas divergiam quanto à fixação da tese, e o Ministro Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso.
O cerne do novo entendimento do STF foi em relação ao termo “congêneres” que consta na LC. Este termo abre possibilidades para que sejam tributados os mais diversos tipos de serviços que possam ser realizados, criados ou aprimorados ao longo dos mais de cinco mil municípios, sem que o legislador federal precisasse discipliná-los, ou melhor, colocá-los numa lista como legítimos de serem tributados.
Esta linha vem de encontro com a análise de que a LC, muito embora de abrangência nacional, ela não é autoaplicável, razão esta em que após sua vigência, os milhares de municípios tiveram de adequar seus respectivos Códigos Tributários Municipais à LC.
Ocorre que o legislador federal ao criar a LC quis deixar a cargo do legislador municipal a tutela de tributar seus serviços locais, pois cada localidade tem sua particularidade, mantendo, por outro lado, uma matriz de serviços dispostos na LC.
Assim, esta interpretação “ampla” deve ser realizada pelo legislador municipal, quando da adequação de seu código tributário municipal à LC, para justamente analisar localmente quais serviços queiram ser tributados, mas não ao legislador federal, respeitando-se os limites da LC.
Sabemos que cada serviço tributável deve estar expressamente disciplinado em lei, até por conta do princípio da reserva legal, então, como o termo “congêneres” pode ser interpretado de forma ampla?
É justamente este tipo de interpretação ampla que gera mais dúvida e insegurança jurídica na sociedade.
E mesmo que o legislador federal quisesse que a lista de serviços da LC fosse tida como uma referência e permitisse ampliações e criatividades legislativas de forma análoga, ainda assim tais analogias permitiriam a criação de novos serviços tributáveis sem sua previsão municipal.
De um lado nos parece ser uma discussão um tanto quanto paradoxal, mas, por outro lado, o intuito do legislador federal ao criar a lista de serviços da LC, não foi de criar insegurança jurídica, mas sim delimitar quais serviços são aptos de serem tributados pelos legisladores municipais e sem deixar a estes a total liberdade de tributar outros serviços que já os sejam pelo ICMS.
Outro ponto seria a própria praticidade da aplicação da lista, ou seja, nem ao legislador federal, nem aos municipais, teriam como prognosticar a criação de novos serviços tributáveis pelo ISS, ou seja, a própria lista de serviços teria de ser atualizada com frequência, o que, do ponto de vista legislativo, seria inviável.
E é por conta deste tema e outros que nossa corte suprema deveria apaziguar e uniformizar entendimentos, mas não se apegar em critérios que, trazendo à baila nacional, possam criar mais insegurança e litigiosidade do que o intuito inicial.
A intenção do STF não é de fato criar insegurança jurídica e nem provocar uma inquietude no Judiciário.
O que não pode ocorrer é o STF se apegar a termos satélites e deixar de lado a real intenção do legislador há 17 anos, que seria delimitar quais serviços são tributados pelo ISS e quais, por exclusão, são pelo ICMS, e manter uma lista de serviços fixa e parametrizável, permitindo ao legislador municipal tributar serviços ainda não existentes.
¹ RE nº 784439-DF