Artigo: Vigência bipartite da LGPD – Consequências práticas desta jabuticaba.
07/04/2021 14h27
Há uma crença popular de que a jabuticaba só existe no Brasil. Sinceramente, não saberia dizer se isto é real ou simples parte do imaginário popular.
Henrique Schmidt Zalaf, Sócio.
O que parece ser verdade é nossa capacidade genuína de transformar eventos que por si só são complexos (como a proteção de algo imaterial, que são os dados e informações pessoais) em imbróglios que somente tem função de afastar o capital internacional e arrastar nosso país à margem dos países organizados, sérios e com segurança jurídica.
Digo isso porque parece que o legislador brasileiro criou sua própria jabuticaba, ao estabelecer a vigência dividida (ou bipartite) da LGPD.
Não se discute a importância da lei. Pelo contrário, ela mostra uma intenção real do Brasil em seguir uma tendência que não é nova no mundo: reconhecer os dados pessoais como extensão da personalidade e como direito individual. Há uma dificuldade inerente do tema, que é explicar aos operadores (e aí incluo empresários e cidadãos) o que seria a proteção de dados pessoais. E esta dificuldade vem pela imaterialidade do tema, ao que gosto sempre de comprar a LGPD ao direito de propriedade de um carro ou uma casa. Embora rudimentar, esta comparação já traz um pouco de concretude a um tema que é complexo e em um ambiente dinâmico como o enfrentado na internet.
Ocorre que, não se sabe se por uma opção do legislador ou simplesmente por pressões políticas alheias ao Direito, a LGPD apresentou sua característica tupiniquim através de uma bizarra vigência bipartite: primeiro entrou em vigor no que diz respeito ao direito dos titulares (que podem e estão procurando seus direitos através do Judiciário) para, posteriormente, apresentar a vigência da regulação administrativa da Autoridade Nacional de proteção de dados. Espera-se que a competência da Autoridade Nacional entre em vigor em 1 de agosto de 2021, exercendo sua importante responsabilidade normativa, fiscalizatória e punitiva.
Porém, não seria de se assustar que a vigência da lei no que diz respeito à ANPD fosse prorrogada, em uma virada de mesa típica dos campeonatos de futebol da conhecida várzea.
Embora não esperamos que isso ocorra (já admitindo que não seria assustador que presenciássemos este plot twist típico de novelas mexicanas), desde já se notam algumas consequências desta bipartição. Trataremos objetivamente apenas de 3 delas.
A primeira diz respeito à própria credibilidade da aplicação prática da LGPD. Não é incomum a sensação de que a lei realmente não entrou em vigor. Não foram poucas as vezes que ouvi que “vamos esperar mais um pouco para ver se a lei vai pegar”. E este posicionamento não é de se criticar, já que nosso próprio sistema induz este comportamento.
O segundo destaque é que outorga a possibilidade de os titulares judicializarem direitos desde já a um Poder Judiciário que, com todo o respeito, talvez não esteja preparado para tratar de tema tão recente. Neste cenário, surge a insegurança que, na prática seja delegado ao Judiciário um poder normativo que não seria de sua responsabilidade. Faltam bases técnicas e normativas para o Judiciário se posicionar a respeito da LGPD.
E o último ponto, já tratado, é a falta de base normativa e regulatória para a aplicação prática da LGPD. É fato que a LGPD apresenta algumas lacunas normativas, que seriam de responsabilidade típica da ANPD. Cito três exemplos: quais seriam os parâmetros de dosimetria para aplicação das penalidades administrativas? Quais os parâmetros contratuais para a transferência internacional de dados? A forma de interpretar a LGPD seria idêntica na construção civil, saúde e indústria automotiva?
Fato é que permanecemos sem resposta. E permaneceremos por um bom tempo.
Só resta ao operador e ao já combalido empresariado brasileiro, torcer para que o Poder Judiciário leve estes pontos em consideração e, especialmente, tenha a sensibilidade ao aplicar à LGPD para evitar a criação de uma “indústria” de ações judiciais. Não queremos mais esta jabuticaba.